sábado, 24 de julho de 2010

A PÉROLA de John Steinbeck


John Steinbeck é mais um prémio Nobel (1962) que li ultimamente. Esta pequena história, de leitura simples, mas ao mesmo tempo de grande profundidade na análise que faz dos sentimentos humanos e da complexidade da vida, devia por isso ser uma leitura mais divulgada ao nível dos alunos e das escolas, como o foi, aliás, noutros tempos. Esta obra teria de certeza mais interesse para os jovens das nossas escolas, despertaria neles mais interesse pela leitura, do que muitas outras que constam nos programas, que exercem neles o efeito contrário (não ler mais nenhum livro nos tempos mais próximos).
A Pérola é uma alegoria baseada num conto popular mexicano, que nos mostra como um objecto muito precioso ou um acontecimento feliz na vida de um ser humano se pode transformar na coisa mais abjecta ou na maior tragédia, para si próprio e para os outros que o acompanham. É desta forma que a Pérola do Mundo, que representa para Kino a esperança de uma vida nova, com dinheiro para um casamento na Igreja e para educar o seu filho, se transforma na maior tragédia da vida dele, pondo toda a sua família em perigo de vida.
Devido à ganância desmesurada dos compradores de pérolas de La Paz (nome curioso da aldeia em que vivem) e porque não quer seguir os conselhos da sua mulher Juana, mais realista ou talvez menos persistente do que ele, Kino ultrapassa os seus próprios limites levando ao drama final em que o filho de ambos, ainda bébé, morre.
Se o bem se pode transformar em mal, fica implícito o inverso: muitos acontecimentos infelizes ou desagradáveis que nos acontecem, podem-se tornar em qualquer coisa de útil e proveitoso no nosso caminho.
É por esta dupla virtude, que gostei tanto desta história. Steinbeck mostra-nos que tudo tem limites e que o dinheiro não paga tudo. Actual, mesmo nos tempos que correm!

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Inspiração

Para quem anda à procura dela, aqui fica:

A Inspiração é a hipótese que reduz o autor a um papel de observador.
Paul Valéry (1871/1945)



Um leigo pensaria que, para criar, é preciso aguardar a inspiração. É um erro.
Stravinsky (1882-1971)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

António José da Silva ( O Judeu)


Quando lia a «História de Portugal» de Oliveira Martins, no capítulo dedicado a D. João V, que o autor descreve como balofo e carola, mestre em liturgia, o rei-sol cá do burgo, com a mania das grandezas (veja-se o Convento de Mafra com o seu sino de 800 arrobas,por exemplo), um perdulário, entre muitos outros epítetos bem ao género deste historiador, deparei com a seguinte frase:
«O inchado Salomão de Mafra, o lúbrico devoto de Odivelas, o vencedor da batalha das freiras foi o que mandou queimar António José, por este se atrever a chamar-lhe Grande Governador da Ilha dos Lagartos.»
Claro que o autor se refere a D. João V e este António José é o autor dos autos que nessa época eram representados com grande êxito na Ópera do Bairro Alto. Por nostalgia e curiosidade, peguei nas Obras Completas  de António José da Silva, que estudei na Faculdade de Letras nos gloriosos anos setenta, e reli «Anfitrião ou Júpiter e Alcmena», de que já não me lembrava nada, claro! Foi uma leitura divertida e amarga, ao mesmo tempo, por motivos vários. Ao mesmo tempo que o texto me fazia rir com as permanentes trapalhadas ao gosto da época, ressaltava dele  o facto dramático de um autor tão promissor para a História do Teatro e da Literatura em Portugal poder ser queimado numa fogueira, por motivos políticos, religiosos ou simplesmente por não agradar a um rei. Não devia ter acontecido, não só por ser um atentado à vida humana, um acto infame, mas por ter ficado o nosso teatro sem um autor aos trinta e tal anos. 
Se quisermos, nos seus autos podemos encontrar imensas referências ao estado da nação e das «leis» que regiam os tempos em que o Judeu teve a infelicidade de viver. Saliento apenas esta:
Tirésias: «Dos ânimos e afectos interiores, só os deuses supremos são os juízes; que nós, os ministros da terra, sentenciamos pelo que vemos exteriormente...

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Matilde Rosa Araújo


Boa noite, passarinho

-Boa noite, passarinho,
Onde é que tu vais dormir?
-Vou dormir num ramo verde
Com o luar a luzir.

-Boa noite, passarinho,
Onde é que tu vais sonhar?
-Vou sonhar no bosque verde
                                          Tão verde à luz do luar.

                                          -Boa noite, passarinho,
                                          Estás cansado de voar?
                                         -Escondo a cabeça na asa
                                          E já posso descansar.

                                          -Boa noite, passarinho,
                                          Não dormes dentro de casa?
                                          -Se eu poiso num ramo verde
                                          -E o lençol é a minha asa?

                                          -Boa noite, passarinho,
                                          Qual é o teu candeeiro?
                                          -São os olhos amarelos
                                          Do mocho do candeeiro.

                                          -Boa noite, passarinho...
                                           Um soninho descansado...
                                           -Quando acordar de manhã,
                                           Vou cantar ao teu telhado!

                                                                        Matilde Rosa Araújo (Mistérios)
                                         

No dia seguinte à tua morte, lembro-te como aquela escritora de olhos doces, de voz terna e cheia de uma bondade vinda do amor à natureza, aos pequenos seres e às pequenas coisas. De coração do tamanho de uma criança.
Boa noite, Matilde, descansa no teu ramo verde e dorme um soninho descansado, o teu canto ficará para sempre a lembrar-nos de ti.

domingo, 4 de julho de 2010

«Citações e Pensamentos» de Agostinho da Silva


Aqui ficam alguns dos pensamentos deste homem e filósofo, que sabia «pensar» e que teve a sabedoria de dizer que «O homem não nasceu para trabalhar, nasceu para criar.»

Escola- Todas as nossas escolas são escolas de guerra, pelo recrutamento, porque só queremos os mais aptos ou aqueles que julgamos mais aptos, pela disciplina do curso e do comportamento, e pelo nosso objectivo de, no final dos estudos, os repartirmos por armas. (Espiral).

Educação- Por muito cuidado que se tenha, educar é podar; deixar crescer com toda a força o ramo que nos agrada. (Espólio)
               -A publicidade é uma fábrica de perfeitos fregueses, ávidos e estúpidos; a educação, que lhe é paralela, fabrica cidadãos servis e crentes. (Espólio)

Elogio- Tudo o que os outros me elogiam foi o fácil; foi o complicado e o misterioso tudo o que eles ignoram ou censuram. (Espólio)







domingo, 27 de junho de 2010

Cartas Sem Moral Nenhuma

                                                              Catedral de Sevilha
Neste ano em que se comemora o centenário da República, resolvi dedicar algum tempo à obra de Manuel Teixeira Gomes, 7º Presidente da 1ª República, entre 1923 a 1925, cargo a que renunciou para se dedicar à produção literária (ou para fugir à enorme perturbação política e social da época?).
Comecei por ler o romance «Maria Adelaide», única obra deste autor que tinha em casa, e achei-o tão dIferente e original em relação ao seu tempo que resolvi ler mais qualquer coisa. Daí até encontrar numa feira do livro «As cartas sem moral nenhuma», foi um passo. A Bertrand editou as obras completas deste autor há alguns anos e é fácil encontrá-las a bom preço. 
Foi um daqueles casos em que o título do livro nos agrada, mas depois não corresponde em nada àquilo que esperávamos. Embora nalgumas cartas o autor relate acontecimentos divertidos e interessantes para o estudo do meio socio-cultural da época (este é um dos grandes interesses que pode oferecer a correspondência), rapidamente me começou a enfastiar a sua linguagem muito rebuscada e difícil. Confesso que já não tenho paciência nem tempo para livros difíceis.  
Mas como todas as cartas iniciais eram escritas de Sevilha, terra natal de meu avô materno e padrinho, Mariano de seu nome, de quem  guardo gratas recordações de infância (eu era a sua «jóinha»), lá continuei a ler. Deste modo, fiquei a saber mais algumas coisas de Sevilha, dos seus costumes e da sua catedral, a maior de Espanha, que já visitei mas não recordo quase nada (só me lembro de subir à torre e ver Sevilha a meus pés, emocionada por aí ter começado, algures, este ramo da minha família).
Para quem tenha paciência e curiosidade, vale a pena ler. Pela sua ironia sarcástica, principalmente. Como neste excerto: 
«Hoje cantava-se una infindável missa de pontifical a que assistiam inúmeros cavalheiros de oficial importância, esses inconfundíveis  aspirantes a estadistas que em Espanha se distinguem dos outros mortais pelo seu perfil de chocolateira - com o bico invertido - e são ultradecorativos.» 

domingo, 20 de junho de 2010

Cem anos de Solidão


No dia do adeus a Saramago, terminei finalmente a obra de outro prémio Nobel, «Cem anos de solidão», de Gabriel García Márquez, seis anos mais novo que Saramago. 421 páginas para mim é muito, e se consegui chegar ao fim é sinal que o livro me interessou, não obstante a sua estrutura em círculo ou em espiral que nunca mais acaba. Mas Gabriel García Márquez é na realidade um grande escritor, cujo realismo me interessa mais do que o seu Realismo Fantástico. Ao escrever a história da Família Buendía como «...uma engrenagem de repetições irreparáveis, uma roda giratória que teria seguido às voltas até à eternidade, não fosse o desgaste progressivo e irremediável do eixo.» (pág. 400), o autor acaba por fazer a história do mundo e de todos os homens. Incluindo dele próprio, pois há muito de autobiográfico nesta obra (como sempre, aliás).
A roda do mundo continua a girar, implacável, por enquanto, determinando os dias e a hora de nascer e de morrer.