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domingo, 26 de junho de 2011

«O primeiro camarada que ficou no caminho» de Manuel da Fonseca


Em 2011 comemora-se o centenário do nascimento do grande escritor neo-realista Alves Redol, mas também o de Manuel da Fonseca, que não lhe fica atrás na arte de contar histórias.
Aldeia Nova, livro de contos publicado em 1942, é disso um exemplo acabado.

Ah, Manuel da Fonseca, que falta me faz
essa tua arte de contar as coisas sérias da vida.
e também as risonhas, usando o compasso certo
com que o Zé Jacinto, teimoso,
ensaiava a heróica marcha Almadanim!
                                                                Alexandre Cabral

É nesse livro de contos fascinantes que se encontra o conto O Primeiro Camarada Que Ficou No Caminho, que relata na primeira pessoa a dor lancinante duma criança que assiste de longe à doença e morte do pequeno irmão, pois o enviaram para casa dos avós, para o afastarem do perigo e da dor. Pelo contrário, o seu sofrimento é ainda maior, por não poder ver a sua mãe, nem o irmãozito nem a sua casa.
Esta é uma história verdadeira, pois essa criança é o próprio Manuel da Fonseca e a criança que vem a morrer o seu irmão mais novo três anos, José. Mais uma vez a autobiografia a invadir a escrita.


Sentia-me só no mundo.
Em frente, a casa silenciosa e fechada para os meus olhos.
O avô partia de manhã para o campo e só voltava à noite. Minha avó andava atarefada na lida da casa, ralhando com as moças. O Toino andava no jogo da bola e nem minha mãe, nem minha mãe sequer aparecia à janela.
O Estróina já estaria bêbado?

É difícil para nós assistirmos insensíveis a esta realidade tão cruel para duas crianças tão pequenas, uma que morre outra que sobrevive vendo o irmão morrer, impotente. Mas esta era uma realidade quase banal da vida quotidiana dos nossos avós e pais: nos fins do século dezanove e princípios do século vinte, muita gente morria na infância ou ainda jovens, por doenças que agora têm felizmente cura e são mesmo banais.
Muita coisa tem mudado para melhor, a humanidade tem dado muitos passos em frente e alguns para trás, mas sempre se foi evoluindo. Tenhamos esperança então que assim continuem os homens dos nossos tempos, difíceis mas não perdidos ainda.
Enquanto há vida há esperança!

terça-feira, 8 de março de 2011

«Mataram a Tuna» de Manuel da Fonseca


Manuel da Fonseca, um dos principais escritores neo-realistas, nasceu em Santiago do Cacém em 1911 e morreu em Lisboa em 1993. A sua faceta de poeta é a menos conhecida, pelo que escolhi este poema dele, em que retrata admiravelmente a atmosfera de festa duma qualquer vila (possivelmente do seu Alentejo natal), onde as classes populares se divertem de forma simples e espontânea, sem pompas nem circunstâncias, mas com alma e muita garra, o que desagrada aos «senhores e senhoras» importantes.
Mais um exemplo em como a palavra e a poesia podem servir uma causa, neste caso a do neo-realismo. 
E porque não seguir o conselho do autor, neste frio e chuvoso dia de Entrudo: façamos qualquer coisa de louco e de heróico! Nem que seja umas panquecas ou uns crepes...para alegrar as almas e o dia!



Mataram a Tuna
Nos domingos antigos do bibe e pião
saía a Tuna do Zé Jacinto
tangendo violas e bandolins
tocando a marcha Almadanim.

Abriam janelas meninas sorrindo
parava o comércio pelas portas
e os campaniços de vir à vila
tolhendo os passos escutando em grupo.
Moços da rua tinham pé leve
o burro da nora da Quinta Nova
espetava orelhas apreensivo
Manuel da Água punha gravata!
Tudo mexia como acordado
ao som da marcha Almadanim
cantando a marcha Almadanim.
........................................................................................................
Entanto as senhoras não gostavam
faziam troça dizendo coisas
e os senhores também não gostavam
faziam má cara para a Tuna:
-que era indecente aquela marcha
parecia até coisa de doidos:
não era música era raiva
aquela marcha Almadanim.
........................................................................................................
Meus companheiros antigos do bibe e pião
agora empregados no comércio
desenrolando fazenda medindo chita
agora sentados
dobrados nas secretárias do comércio
cabeças pendidas jovens-velhinhos
escrevendo no Deve e Haver somando somando
na vila quieta
sem vida
sem nada
mais que o sossego das falas brandas...
-onde estão os domingos amarelos verdes azuis encarnados
vibrantes tangidos bandolins fitas violas gritos
da heróica marcha Almadanim?!

Ó meus amigos desgraçados
se a vida é curta e a morte infinita
despertemos e vamos
eia!
vamos fazer qualquer coisa de louco e heróico
como era a Tuna do zé Jacinto
tocando a marcha Almadanim!
                                                      Planície