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domingo, 3 de setembro de 2017

Um mundo plastificado


quadro de Mily Possoz, s/título
Um mundo plastificado

Talvez um dos maiores males da nossa civilização se deva ao uso excessivo do plástico, que não só entope os oceanos e os estômagos dos peixes, como também é tido por muitos como um  material desadequado para fabricar os brinquedos das crianças. 





Roland Barthes já o afirmava nos anos 50 no seu livro  Mythologies, capítulo Jouets. Os brinquedos construtivos e de madeira são muito mais criativos do que os de plástico. E é constrangedor o seu progressivo desaparecimento.


A matéria plástica apaga o prazer, a doçura, a humanidade do toque que possui a madeira. Fazem brinquedos que morrem depressa e deixam de ter qualquer préstimo para a criança.

A madeira, por seu turno, é uma substância familiar e poética, que põe a criança em contacto continuado com a árvore, a mesa, o chão...
Com a madeira fazem-se objectos essenciais, que duram uma vida inteira, que vivem com a criança ao longo da vida, modificando pouco a pouco a  relação do objecto e da mão.
De facto: o tradicional cavalinho de madeira de baloiçar pode durar uma vida, passar de pais para filhos, ou de uma criança para outra. 

Neste momento, sinto pena de ter dado o dos meus filhos, mas com a falta de espaço um dia lá foi para outro menino, que não tinha possibilidades de fazer cavalgadas.

Felizmente, muitos dos nossos artesãos ainda se dedicam a fazer brinquedos de madeira, que são lindíssimos e muito úteis. Vendem-se em muitas feiras e nalgumas lojas.
Assim os pais os comprem e os ofereçam aos seus filhos, para bem de todos e para que o nosso mundo não se transforme num monte de lixo de plástico.


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

«Infância» de Rilke Maria Rainer


Quem não recorda a sua infância, tenha ela sido boa ou má?
Se me perguntassem se tive uma infância feliz, eu diria nem feliz nem infeliz. Não sou daquelas pessoas bafejadas pela sorte com uma infância fantástica, mas também não posso dizer que fui uma criança infeliz. Houve bons e maus momentos, muita coisa boa e muita coisa má. Talvez isso me tenha modelado e preparado para o resto da vida e me tenha feito sobreviver até hoje.
A infância é a nossa raiz, tudo o que nela se passa deixa uma marca na nossa personalidade e vida futura.
E a escola também.
Para mim a escola foi uma parte boa da infância e juventude, embora uma freira me tenha dado uma bofetada (desobedeci e fui para os baloiços «proibidos») e quase levei uma reguada duma professora primária por ter feito qualquer erro de que já não me lembro. Mas encolhi-me tanto que ela teve pena e só raspou de leve com a régua, vá lá! Não fiquei traumatizada. Era uma injustiça grande, eu era uma aluna esforçada.
A propósito de os pais baterem nos filhos como forma de educação, fiquei a saber ontem, por um programa televisivo, que na Suécia é PROIBIDO dar uma palmada nos filhos. Dá direito a ficar sem eles, são retirados da família, e cadeia para os pais. Exagero? Talvez!!
Este poema de Rilke ilustra bem o que era para alguns a infância e a escola, no passado. 

 
Infância  



Passa lento o tempo da escola e a sua angústia
com esperas, com infinitas e monótonas matérias.
Oh solidão, oh perda de tempo tão pesada...
E então, à saída, as ruas cintilam e ressoam
e nas praças as fontes jorram,
e nos jardins é tão vasto o mundo —.
E atravessar tudo isto em calções,
diferente de como os outros vão e foram —:
Oh tempo estranho, oh perda de tempo,
oh solidão.

E olhar tudo isto à distância:
homens e mulheres; homens, homens, mulheres
e crianças, tão diferentes e coloridas —;
e então uma casa, e de vez em quando um cão
e o medo surdo trocando-se pela confiança:
Oh tristeza sem sentido, oh sonho, oh medo,
Oh infindável abismo.

E então jogar: à bola e ao arco,
num jardim que manso se desvanece
e por vezes tropeçar nos crescidos,
cego e embrutecido na pressa de correr e agarrar,
mas ao entardecer, com pequenos passos tímidos,
voltar silencioso a casa, a mão agarrada com força —:
Oh compreensão cada vez mais fugaz,
Oh angústia, oh fardo!

E longas horas, junto ao grande tanque cinzento,
ajoelhar-se com um barquinho à vela;
esquecê-lo, porque com iguais
e mais lindas velas outros ainda percorrem os círculos,
e ter de pensar no pequeno rosto
pálido que no tanque parecia afogar-se — :
oh infância, oh fugazes semelhanças.
Para onde? Para onde?

Rainer Maria Rilke (1875/1926), in "O Livro das Imagens"