segunda-feira, 21 de março de 2016

«Ao longe»



Ao longe

Longe

Quero ficar bem longe daqui

Bem longe

Das cidades empoeiradas

Encaixadas noutras cidades

Onde os prédios são tórridas torres

Onde não se vêem pessoas

Apenas almas penadas, fantasmas

Apenas tijolos vidros paredes pardas


Quero ir para um lugar bem longe daqui

Onde não haja auto estradas, viadutos

Pontes guindastes em suspensão

Atravessando enormes rios poluídos

Tanto trânsito que nem já dá para respirar

Só para morrer e sufocar

Engarrafados em fumo e podridão


Quero ir para um lugar

Onde possa ter uma janela
Aberta de par em par

Com cortinas brancas a esvoaçar

Donde se possa ver à noite o céu escuro

Admirar as estrelas a piscar

Milhões de astros cavalgando pégasos

Que descem até ao meu jardim

De crisântemos, cravos, rosas e jasmim

Dando lugar a novas constelações

Duendes travessos fadas e anões

E o mundo finalmente seria melhor

Com todos esses seres e com todas as cores

                                                      21 de Março 2016


terça-feira, 8 de março de 2016

Maria Inês ou Conceição



No Dia da Mulher de 2016, dedico este poema à memória de todas as mulheres assassinadas pelos seus maridos ou companheiros, que foram vinte e sete no ano de 2015 e uma neste ano de 2016.
Estes crimes hediondos, cometidos muitas vezes «nas barbas das autoridades» e com a conivência por vezes de outros cúmplices gananciosos e sem escrúpulos, é uma terrível consequência (entre outras) do aumento da violência contra os mais frágeis e mais desprotegidos.
Se mais não posso fazer, é com muita mágoa e revolta que as recordo deste modo hoje, da forma que posso, para que esta realidade se vá superando dia a dia.


MULHER

Maria, Inês ou Conceição

Eram os seus nomes

Cuidadosamente escolhidos

Pela madrinha, senhora rica,

Naquele longínquo domingo

De baptismo e de infância feliz

Em que todos pensaram

Que aquelas crianças meninas

Iam ser um dia mulheres.



Mulheres a sério, bem casadas

Com muitos filhos netos e netas…

É isso que costuma acontecer, pois então!?

Manuela, Jessica ou Leonor

Belas, irrequietas ou muito tímidas

À espera do amanhã, porque não?



Tanto sonho perdido

Tanto sonho achado

Um belo príncipe

No seu cavalo branco

Que as ia arrancar de vez

À solidão, ao desespero

Do dia-a-dia duro na fábrica

No campo na seara no tanque

E as tornariam donas duma loja,

Duma casa

Duma mansão

Seriam como aquelas senhoras

Com vestidos e penteados finos

Pois então!?



E num dia, dolorosamente

Tudo desmorona se esfuma

Onde está a minha fada madrinha??

E no outro a seguir, dia tão triste

Tudo lhes foge como areia entre os dedos

Em lugar do belo príncipe encantado

O ciúme, a inveja e o ódio

O dia escuro, a solidão, a morte



Margarida, Andreia ou Joaquina

Tantas mulheres, tantos nomes comuns

Tanto sangue derramado

Tanto filho sem mãe

Tanto pai sem filha

Tanta vida perdida!!!


Tamanho amor, tamanha desilusão

Tamanho crime sem punição

Tudo não passou de falsidade,

De hipocrisia e de indiferença

De nomes e vidas já esquecidos

Maria, Inês, Isabel ou Conceição.             

8 de Março 2016