sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

A crise e a geringonça

A crise e a geringonça

Ler é mesmo muito importante, principalmente para perceber os políticos e a política do nosso tempo.
Já todos sabem que as crises económicas não são invenção recente, embora nunca se saiba se a última, a nossa, a que nós vivemos, que é o que importa (com as outras podemos nós bem), é mais destruidora do que as outras anteriores, a que os nossos pais e avós passaram e das quais nos contaram algumas peripécias e desgraças pessoais.
Quanto à linguagem das crises, ela parece ir dar toda ao mesmo, mais coisa menos coisa. E quando todos se riem muito com a descoberta da palavra geringonça, continuando todos a utilizá-la como arma de arremesso contra os políticos que lhe fazem oposição, constatamos que não passa de mais uma imitação macaqueada de algum escritor ou intelectual que a utilizou talvez originalmente.
Estava eu deliciada a ler O Milagre Segundo Salomé de José Rodrigues Miguéis (não o dos Santos, o maior, que esse não leio), quando me deparo com a dita geringonça ( a edição é de Estúdios Cor, 1974):
 (Mota-Santos):
          -Eu não perdi a fé na República, como ideia-força, mas se ela não se salva por si, alguém terá de a vir salvar. Quanto a mim, o problema é essencialmente económico, mas tudo depende da fórmula política. Se não for dentro da geringonça parlamentar, há que ir busca-la fora dela.

Eu não sei se ainda há fé na República, ou nalguma outra coisa, o que sei é que geringonças funcionam geralmente mal, é preciso oleá-las frequentemente e já era altura de as fazer desmontar, caso não tenham préstimo para a República.
E leiam este livro, são 2 volumes, mas deliciosos.





quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Agostinho da Silva - 110 anos do seu nasimento


Comemoração dos 110 anos do nascimento de Agostinho da Silva

George Agostinho Baptista da Silva, nasceu no Porto a 13 de Fevereiro de 1906 e faleceu em Lisboa a 3 de Abril da 1994. Escreveu poesia e ensaios, mas foi como filósofo que se distinguiu em Portugal e no Brasil, onde viveu grande parte da vida, fugido do regime salazarista e da sua repressão.
O seu pensamento filosófico defende em primeiro lugar a Liberdade, como o valor mais importante para qualquer ser humano e para a sociedade, que ele tentou melhorar através do seu activismo prático.
Quando questionado sobre os seus graus académicos, Agostinho da Silva respondia invariavelmente ser licenciado em liberdade e doutorado em raiva.
Todos que tiveram possibilidade de ver e ouvir as suas «Conversas Vadias» na RTP, se lembrarão do que aprenderam com os seus dizeres simples e coloquiais, que nos davam a ideia de estarmos perante um sábio ancião.
Aqui ficam alguns dos seus pensamentos, sempre actuais e úteis:


Deve-se estar atento às ideias novas que vêm dos outros. Nunca julgar que aquilo em que se acredita é efectivamente a verdade. Fujo da verdade como tudo, porque acho que quem tem a verdade num bolso tem sempre uma inquisição do outro lado pronta para atacar alguém; então livro-me de toda a espécie de poder - isso sobretudo.

O importante é dar aos homens, na plenitude, a liberdade de serem aquilo que gostariam de ser.

O que ainda trava o nosso caminho é a convicção em que nos encontramos quase todos de que o homem é um animal egoísta.


Só a fé no homem, nas possibilidades divinas do homem, nos pode levar de novo à Idade de Ouro.


Cada pessoa que nasce deve ser orientada para não desanimar com o mundo que encontra à volta.

 
Temos que viver para o universo ou seremos inúteis.


São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.


Restaurar a criança em nós, e em nós a coroarmos Imperador, eis aí o primeiro passo para a formação do império.



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Como pensador completo e universal, Agostinho da Silva expressou-se também em linguagem poética. Escolhi, por isso, este poema que fala de sonho, do sonho perpétuo do homem que deseja um Mundo melhor e quer para ele participar activamente.

Sonho

Teria passado a vida
atormentado e sozinho
se os sonhos me não viessem
mostrar qual é o caminho

umas vezes são de noite
outras em pleno de sol
com relâmpagos saltados
ou vagar de caracol

quem os manda não sei eu
se o nada que é tudo à vida
ou se eu os finjo a mim mesmo
para ser sem que decida.


Agostinho da Silva, in Poemas