segunda-feira, 29 de agosto de 2011

«Canção» de Papiniano Carlos



Papiniano Carlos (donde terão tirado este nome?) nasceu em 1918 em Lourenço Marques, onde fez os estudos primários. Veio depois para para o Porto, onde continuou a estudar e onde frequentou a Faculdade de Engenharia. Não tendo terminado o curso, dedicou-se à administração de uma propriedade agrícola. Mas o seu talento estava na escrita e começou a colaborar em jornais e revistas. Foi um dos diretores de Notícias do Bloqueio.A sua poesia apareceu em vários volumes entre 1942 e 1957. Integrando-se no movimento neo-realista, a sua poesia apresenta um carácter francamente protestativo. O seu Moçambique natal deu-lhe a matéria de alguns poemas, sendo ele um dos divulgadores dos poetas moçambicanos e angolanos.
Em 9 de Novembro de 2008, quando fez 90 anos de idade, Papiniano Carlos foi homenageado como Poeta-Cidadão. A homenagem foi organizada pela Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, pelo Ateneu Comercial do Porto, pelo Círculo de Cultura teatral/TEP, pela Cooperativa Árvore, pelo setor intelectual do PCP, pela Unicepe, pela URAP e por uma Comissão constituída por um significativo número de pessoas de diversas áreas cívicas e culturais.
Muita poesia sua está publicada em vários países e gravada em discos, salientando-se a sua história para crianças «A Menina Gotinha de Água».
Fica aqui o registo da sua canção, apaixonada pela vida e pelo sentido positivo que lhe temos de imprimir, nos bons ou nos maus momentos.

Canção
Descansa, amor,
entre os meus cabelos;
os sonhos descansa
e o desejo de vê-los
ainda em flor.

Descansa, amor,
tua esperança;
em mim descansa
o que em ti arde:
aquilo que se quer
sempre se alcança,
e nunca é tarde.

Descansa, amor,
entre os meus cabelos;
felizes ou infelizes,
(os dias é vivê-los)
em mim descansa
os braços, as raízes
e as palavras
que me dizes.

                                           in As Florestas e os Ventos


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

«Sonho acordado» de Isabel del Toro Gomes




Sonho acordado



Acabem de vez todos os pesadelos

Sonhos grotescos e ridículos

Fantasmas do passado ou do futuro

Que todas as noites ou

Ao nascer da aurora

Se entranham pelo corpo silente

Se insinuam na nossa mente

Nos percorrem as veias, a pele, os ossos

E nos deixam num delírio confuso



Acabem de vez todos os pesadelos

Não queremos mais sonhar

Não queremos mais dormir

Apenas ficar acordados

Em vigília permanente

E sonhar…sonhar…sonhar

O momento presente


quinta-feira, 25 de agosto de 2011

«Uma mulher quase nova...» de Mário Dionísio


Mário Dionísio nasceu em Lisboa em 1916 e aqui faleceu em 1993. Foi  um homem das artes e do ensino, de múltiplos talentos, pois além de professor, escritor e de crítico literário, foi também pintor. 
Tem larga colaboração dispersa por jornais e revistas: O Diabo,Sol Nascente, Vértice, Ler e outras.
A sua actividade de crítico foi importante durante o período áureo do neo-realismo, tendo prefaciado autores como Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira, Alves Redol, entre outros.
Como pintor, usou os pseudónimos de Leandro Gil e José Alfredo Chaves. Participou em diversas exposições coletivas, estando as suas obras patentes na Casa da Achada, em Lisboa.
Esta Casa, assim chamada porque fica na Rua da Achada, nº11, em Lisboa, também designada Centro Mário Dionísio, foi fundada em Setembro de 2008, por familiares, amigos, ex-alunos, conhecedores e estudiosos da sua obra. Nela se desenvolvem diversas actividades culturais, leituras, conferências, cinema ao ar livre, com o intuito de divulgar a obra e o espólio do escritor, que nasceu, viveu e morreu nesta cidade.
Embora tenha tido muitas vezes vontade de a conhecer, confesso que ainda não me desloquei até lá, o que farei em breve. Descobri que no sábado, dia 27 de agosto, pelas 16h, vai continuar a leitura da obra de Mário Dionísio A Paleta e o Mundo.É um bom motivo para ir finalmente até lá e descobrir esta casa.
Para os interessados, deixo aqui o site, para consultarem a programação, muito útil para quem está em férias e quer ocupar o seu tempo de forma útil, agradável e pouco dispendiosa. E cinema ao ar livre, no verão, é apetecível. Na segunda-feira, dia 29, vai ser exibido o filme A Regra do Jogo, de Jean Renoir, às 21.30h. Tudo boas notícias.

Aqui fica também este pequeno poema, quase genial:


Uma mulher quase nova...

uma mulher quase nova
com um vestido quase branco
numa tarde quase clara
com os olhos quase secos

vem e quase estende os dedos
ao sonho quase possível
quase fresca se liberta
do desespero quase morto

quase harmónica corrida
enche o espaço quase alegre
de cabelos quase soltos
transparente quase solta

o riso quase bastante
quase músculo florido
deste instante quase novo
quase vivo quase agora.


                                                    in O Riso Dissonante




L



terça-feira, 23 de agosto de 2011

«Sargaceiro» de Álvaro Feijó



Álvaro Feijó (sobrinho-neto de um grande poeta português - António Feijó) nasceu em Viana do Castelo em 1916 e morreu em Lisboa em 1941, com vinte e cinco anos apenas. Mais um poeta malogrado, a juntar a tantos outros da sua época, que não teve tempo para viver nem para desenvolver o seu talento literário.
Em Coimbra, onde estudava Direito, foi um dos primeiros jovens que a Guerra de Espanha despertou para uma poesia polémica, «engagée», que veio a concretizar-se na coleção Novo Cancioneiro.
Publicou apenas um livro em vida, Corsário, onde revela o seu lirismo sarcástico e peculiar.
Lembremos aqui este nome e a sua poesia, que merece um lugar no rol dos poetas infelizes, do início do séc. XX. 


Sargaceiro

É longo e pesado o engaço!
A barca vem cheia
de suor e de sargaço
e fome.
Tanto e nada!
Sargaceiro!
Limpas sargaço
do fundo deste mar
que, para ti, é baço
e não tem aquele aspeto sonhador
que nós lhe damos.
Ele, o mar...
Empresta-me o teu engaço:
há tanto que limpar!

                                     in Os poemas, de Álvaro Feijó




domingo, 21 de agosto de 2011

«Na estação deserta» de Isabel del Toro Gomes




Na estação deserta

Alguém se sentou

No banco solitário

E à espera ficou

Que o comboio chegasse

E que duma janela qualquer

O seu amor lhe acenasse

E dissesse

Voltei! Aqui estou!

E ali mesmo

Dois corpos se enlaçaram

Num eterno abraço de saudade


sábado, 20 de agosto de 2011

«Os pastores da noite» de Jorge Amado



Jorge Amado é um dos maiores escritores brasileiros, o escritor das gentes da Bahia, dos miúdos da rua (os «capitães da areia»), das pobres gentes das favelas ou sem abrigo, dos bebedores de cachaça, das prostitutas, de toda a espécie de gente que vive e morre na região onde nasceu e que ele conhece como ninguém. É um escritor que dá um enorme prazer de ler ( falo por mim claro, mas muitos concordarão comigo),  que se lê sem parar, sôfregamente, que usa a linguagem simples do povo, que nos faz rir mesmo com a miséria.
Com uma vida cheia de aventuras e peripécias, de viagens, de comprometimento político, de experiências e de vivências, a sua obra literária é imensa, está traduzida em quarenta e duas línguas e calcula-se que os seus livros venderam entre vintre e trinta milhões de exemplares.
É um escritor «Amado», sem dúvida e lê-lo constitui uma experiência inolvidável.
Li «Os pastores da noite» em férias, é uma ótima sugestão de leitura para passarem momentos divertidos e de lazer.
Saliento estas linhas de descrição do ambiente da Bahia:

Era o começo da noite, o misterioso começo da noite da cidade da Bahia, quando tudo pode suceder sem causar espanto. A primeira hora de Exu, a hora das sombras do crepúsculo quando Exu sai pelos caminhos. Teriam feito naquele dia o seu despacho em todas as casa-de-santo, seu indispensável padê, ou por acaso alguém esquecera a obrigação? Quem, senão Exu, podia encher de mulatas formosas e devassas a Ladeira do Pelourinho e os olhos azuis de Pé-de-Vento?
No mar, lá em baixo, as velas dos saveiros numa urgência de chegar antes da chuva.

                                    «Os pastores da noite» de Jorge Amado

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

«Se num dia de sol...» de Isabel del Toro Gomes




Se num dia de sol…

Se num dia de sol

Me perguntassem

O que queria ser

Se pudesse escolher

Diria que apenas queria

Ser uma simples lagarta

Para me poder transformar

Numa bela borboleta amarela

Para do chão me libertar

E pelos ares esvoaçar…



Se num dia de sol

Me perguntassem

Porque gosto tanto dos rios e do mar

Diria que é porque a água

Jamais se cansa de correr e saltitar

De pedra em pedra

Repousando um pouco ali

Na translúcida e doce lagoa

Logo se precipitando de novo acolá

De rocha em rocha

Para as ondas do imenso mar…


 
Se num dia de sol

Me perguntassem

Como gostaria de morrer

Diria que como uma folha

Que de verde e luzidia

Lá nas alturas

Aos poucos se transforma

Castanha amarela vermelha

E um dia voa

Como um pássaro louco

Rodopiando subindo descendo

E logo ali fica repousando

No útero da terra mansa

Que há de renascer…

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

E a vida...o que é que me deu? de Isabel del Toro Gomes

Esta é a centésima mensagem deste blogue!
Para mim é dia de festa, as palavras são enganadoras, por vezes, mas deram-me muito! A vida deu-me muito, de bom e de mau!
Hoje estou quase feliz!


E a vida…o que é que me deu?

Costuma dizer-se dos homens

Que nada sabem aos vinte anos…

E que os quarenta  são

A idade de ouro da sabedoria…



Grande mentira! Balelas!

Com vinte anos de vida

Um homem sabe tudo

É o rei do universo

Nada lhe falta

Nada lhe mete medo

Tudo é aventura tudo é glória!



A realidade é que quando se dá por ela

Já se tem os dentes furados

O cabelo a cair

Óculos encavalitados no nariz

E ainda só se tem quarenta e cinco…



O mundo já não nos pertence

Pelos caminhos andam já os filhos

À solta à descoberta

São jovens bonitos felizes

Comandam os nossos destinos

E puxam os fios das marionetas

Em que nos tornámos!



Por fim os homens pensam

Como foi que isto aconteceu?

Já estou tão velho apático

Sem memória desinfeliz

E a vida…o que é que me deu?


quarta-feira, 3 de agosto de 2011

«Rosa» de Mário Cláudio



«Rosa» (1988) é o título do terceiro volume de uma trilogia de romances inspirados em personagens reais. Sobre ele, disse Mário Cláudio:

Eu procurei fazer dela uma figura pluridimensional. No fundo, a Rosa Ramalho é a figura do norte português, é a fêmea do Norte de Portugal que vem desde a Idade Média, que se prolonga pelos nossos  dias, e que naquela mulher específica de S. Martinho de Galegos, de certa forma, encarnou com uma violência tal que permitiu que se erigisse como uma figura tutelar na nossa neutralidade.»

De facto, o autor consegue transmitir o retrato duma figura não só pluridimensional, mas única no nosso meio cultural. Figura franzina, pequena e de olhos ladinos, de resposta trocista na ponta da língua afiada, como é próprio de quem vive num meio natural inóspito, é uma personagem verdadeiramente telúrica, uma força da natureza que fazia o milagre dos bonecos de barro, que lhe saíam das mãos prodigiosas e da mente ensimesmada.
Rosa fazia bonecos desde muito nova, quando a mãe a chamava guardava-os no seio, como tesouro. Quando se casou com um moleiro aos 16 anos, dedicou-se aos 7 filhos que teve e à vida dos moinhos, nunca mais fazendo bonecos. Só aos 68 anos, depois de enviuvar, se dedicou novamente aos seus bonecos fantasiosos e dramáticos. Mulher inteligente, ensinou tudo que sabia à sua neta Júlia Ramalho, filha de um filho que lhe morreu, para que a sua arte não acabasse.

Abria a porta do forno, retirava as telhas e a lama com que a barrara, esperava que se dissipasse aquela névoa. ali estava, pois, diante da assadura, breve magote de fantoches calcinados, como se fora recolhê-los aos depósitos eternos. Lambiam-lhe as farripas do cabelo algumas chamas, que retomavam o ar livre, enfim, uma vez concluída sua função torturadora e aglutinante. Formava-se o Universo dos gestos que executava, conferia o resultado que deles obtinha, com as rugas todas numa crispação. e a paz a tomava, porque não conhecia o parto dos artistas em pecado que, na proximidade de tudo, não sabem adestrar a natureza que têm.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Agosto de 2011

1º de Agosto 1º de Inverno - provérbio popular

E assim se cumpre mais uma vez a tradição, neste maléfico e estranho ano de 2011.